quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Capítulo I : Minha lembrança de como as coisas começaram .


       "A memória age como a lente convergente na câmara escura: reduz todas as dimensões e produz, dessa forma, uma imagem bem mais bela do que o original."
(Arthur Schopenhauer)



              Hoje, não sei se a história aconteceu exatamente assim, mas é desta forma que lembro-me, pois todas as vezes que Valentina contava-me suas histórias, eu, num misto de alegria, espanto e ansiedade, a ouvia atentamente, contudo, sua forma mágica de narrar, levava-me a estar com ela em suas maravilhosas aventuras.
              Recordo que era uma pálida manhã de inverno em que o sol recusava-se a levantar, Valentina, com sua preguiça matinal, essa herdada da mãe, tinha todo o desejo do mundo de imitar o Astro Rei e continuar deitada, mas eu, como bom pai, todas as manhãs, adentrava seu quarto e dizia em alto e bom som:
               - Filha, adivinha quem veio dar bom dia?
               - Já sei pai, o dia!
               - Mas não só o dia, também todas as sensações que ele traz que são únicas.
               - No caso de hoje, pai, sensações de 50 tons de frio.
               - Valentina, os dias frios transmitem um bela sensação de paz e tranquilidade.
               - Pai, a melhor sensação de um dia frio é abraçar um copo quente de achocolatado.
               - Tudo bem, Valentina, mas levanta que hoje é o último dia de aula antes do recesso, depois poderá descansar um pouco mais.
               - Sim, sei, como se eu não conhecesse o pai que tenho.
               Na rua, dava para ouvir o assoviar do vento nas árvores e telhados das casas, bares e fábricas, as pessoas transitavam cobertas da cabeça aos pés com suas melhores roupas, afinal de contas, ficamos mais bonitos no frio, não acha, caro leitor, se não concorda, não poderá negar que, ao menos, ficamos mais elegantes. Deixei Valentina, resmungando, ao portão da EMEF Professora Hécate, onde ela cursava o sétimo ano do ensino fundamental e dirigi-me à escola em que ministrava aulas de literatura para o ensino médio. 
               Contudo, aquele que parecia um dia normal na escola Hécate, logo na entrada, antes que os alunos fossem para sala, a diretora Dandara pediu que os educandos dos sétimos anos ficassem no pátio, pois ela tinha um recado para transmitir.
                 - Caros alunos e alunas, por questões de saúde, nossa querida professora Métis de Língua Portuguesa, não mais dará continuidade as atividades deste ano letivo, passando a ser substituída pela também magnifica e excelente professora Nix. 
                Nesse momento, uma jovem mulher, pálida como aquele dia frio de solstício de inverno, trajando um vestido longo e preto que a envolvia de forma magnífica, entretanto dava lhe um ar assustador, adentrou a quadra. Todos os alunos entreolharam-se assustados e maravilhados ao mesmo tempo, afinal de contas, a beleza da professora era de espantar, parecia coisa de outro mundo.
              Aquela notícia pegou aos alunos de surpresa e aquele dia que já iniciará desbotado para Valentina, agora ganhava um tom cadavérico, pois Métis era para ela a melhor professora, já que, além de inteligente, era divertida, dava, segundo nossa heroína, um colorido à escola, e, acima de tudo, sempre concedia aos alunos maravilhosos conselhos.
                   Não tardou a iniciarem os falatórios:
                   - Valentina, você viu como a professora é bonita?
                 - Enzo, ninguém merece um primo como você! Perdemos a melhor professora e você me vem falar de beleza.
                   - Qual o problema?
                   - Enzo, a  Métis também era linda.
                 - Mas essa é mais, porém, ela me dá medo, você viu aquela pele pálida, aquela roupa preta, pensei que fosse um bruxa.
                   - Está aí uma coisa que concordamos, Enzo.
                   - Que ela é muito branca?
                   - Não, Enzo, meu Deusssss, que ela tem um aspecto de bruxa.
                   - Mas um bruxa linda!
                   - Enzo, você não acha estranho que a Métis que estava super bem ontem não venha mais e, o pior, não nos tenha falado nada.
                    - Não pensei nisso, mas você tem razão, é estranho.
                    - Enzo, vamos para sala, hoje é sexta-feira e nossa primeira aula é com a novata.
                    - Vamos, mas não é só a primeira aula, a última também é com ela.
                    - Verdade, hoje são duas aulas, a primeira e a última.
                 A primeira aula transcorreu bem, mas entre as coisas da professora, um livro preto chamou a atenção de nossa protagonista .
                      - Enzo, preciso de você.
                      - O que você quer?
                      - Você notou aquele livro grande de capa preta que a professora Nix leva consigo?
                       - Sim, acho que ela deve ter uma baita dor na coluna, não sei para que tanto peso e para que andar com um troço velho daquele, acho que não apresentaram a ela ainda o PDF, coisa de professor de português.
                      - Ufa!!! Achei que tinha sido só eu a notar, mas acho que há alguma coisa de errada com aquele livro.
                      - Salvo o peso, não notei nada.
                      - Enzo, você não me leva a sério.
                      - O que você quer fazer, Valentina?
                      - Quero pegar aquele livro.
                      - Por que?
                      - Quero saber qual a utilidade.
                      - Lá vamos nós nos enfiar em confusão, mas já vou avisando, se pegarmos, você que vai levar aquele troço pesado, não eu..
                      - Cadê o Cavalheirismo?
                      - Sinto muito, não tenho esse brio.
                      - Por isso gosto de você, sempre sincero.
                      Toda a sala já estava eufórica e não via a hora de acabar a última aula, já para os primos, o tempo voava e não vinha uma ideia para conseguir o livro da Nix. Enquanto os dois estavam em pensamentos profundos, o sinal da aula tocou pela última vez no semestre, todos os alunos levantaram e saíram às pressas e aos gritos de "RECESSOOOOOOOOO, ACABOUUUUUUUU!". Nesse instante, Enzo vira para a prima e fala:
                    - Valentina, é hora de improvisar.
                    - O que vai fazer, Enzo?
                    - Vou distraí-la e você pega o livro.
                    - Você é um gênio.
                    Enzo, da sua carteira, decidiu dirigir-se a professora.
                 - Senhora Nix, vou entrar de recesso, mas acredito que estou com um pouco de dificuldade em entender substantivo, a senhora poderia me ajudar explicando um pouco e passando uns exercícios?
                    - Substantivo? Mas você está estudando sujeito e predicado.
                   - Isso, isso, foi isso que eu quis dizer, porque o substantivo vira sujeito e o predicado não, essas coisas me confundem ainda.
                   - Venha até a minha mesa.
                   - Professora, tenho vergonha de ir até aí.
                   - Mas só tem eu, você e mais uma amiguinha sua.
                   - Por isso tenho vergonha.
                   - Tudo bem, vou até aí.
                   A professora dirigiu-se à carteira do Enzo, nesse momento, Valentina aproveitou para levantar e ir em direção à mesa, enquanto Nix explicava atenciosamente, nossa heroína aproximou-se do livro, mas não o tocou de imediato, leu seu título e deparou-se o nome "O Livro de Thoth". Como aquele nome nada significava, Valentina ainda deu uma exitada, mas criou coragem e lançou a mão sobre o livro, foi nesse exato momento que ela sentiu um frio, maior do que o que tomava conta daquela manhã de inverno, perpassar seu corpo e como um coice de uma cavalo a arremessou contra a parede. Nix e Enzo correram até ela, tentaram reanimá-la, porém ela não dava sinal, foi aí que a professora pediu a Enzo que fosse chamar a enfermeira da escola, mas o menino não gostou da ideia, pois não queria deixar sua prima sozinha com aquela figura sinistra, entretanto, não tinha opção, então saiu correndo o mais rápido que conseguiu. Logo que o Enzo saiu, Nix fez seu dedo indicador da mão esquerda brilhar e com ele tocou a testa de Valentina. De súbito, a menina abriu os olhos e logo em seguida, apareceram à porta a diretora, a enfermeira e o vice-diretor.
                 - Ela já está bem senhora Dandara.
                 - O que aconteceu?
                 - Enquanto eu explicava o conteúdo a este menino,  ouvi um baque, era ela sendo lançada contra parede, não sei o quê aconteceu.
                 - Enzo, você sabe o que aconteceu com sua prima?
                 - Não, senhora diretora.
                 - Eles são primos?
                 - São sim, senhora Nix.
                 - Entendi.
                 - Já estou melhor, posso levantar.
                 - Fique tranquila, Valentina, seu pai foi comunicado e está vindo.
                 - Não precisava, estou bem.
                 Foi aí que entrei pela porta, eu estava muito ofegante e cansado.
                 - Como ela está, senhora diretora?
                 - Parece-me bem, senhor, o susto já passou.
                 - Obrigado, venha, pequena, vou levá-la ao médico.
                 - Não precisa pai, estou bem.
                 - Fique quieta e venha comigo, filha.
                 Os dois levantaram e foram saindo.
                  - Enzo, quero falar com você.
                  - Professora, estou preocupado, tenho que acompanhar minha prima, depois voltamos ao sujeito e predicado, obrigado.
                   Entramos no carro eu, Enzo e Valentina.